| 10 abr 2023
Autismo em condomínios: informação, empatia e inclusão
A experiência de conviver com autismo em condomínios tem suas particularidades. Mas com conhecimento, tolerância e acolhimento, tem tudo para ser leve
A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que 70 milhões de pessoas no mundo têm autismo, e no Brasil, são 2 milhões. Por isso, as chances de você já ter convivido (ou ainda vai conviver) com um portador do espectro autista são altas. Inclusive nos empreendimentos onde moramos. O autismo em condomínios traz algumas particularidades e polêmicas.
As histórias felizes, de paciência e acolhimento existem, porém, são chocantes os casos de discriminação e intolerância contra pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) – como também é chamado o autismo.
Em um condomínio com morador autista, por exemplo, alguns episódios problemáticos podem ocorrer:
• Discriminação (capacitismo);
• Segurança: sair do prédio sozinho e sem avisar os responsáveis, acessar lugares inapropriados, dependurar-se na janela do apartamento, etc.;
• Atritos com outras crianças e adultos;
• Reclamações de barulho;
• Acusações ou suspeitas de maus-tratos pelos responsáveis;
• Danos ao patrimônio do condomínio ou a terceiros (paredes do prédio, carros dos vizinhos, etc).
Preparamos esta matéria trazendo situações reais de autismo em condomínio. O intuito é conscientizar vizinhos, síndicos e funcionários sobre o TEA para que a boa convivência prevaleça no condomínio e, principalmente, sejam garantidos os direitos da pessoa autista. Venha com a gente!
O que é autismo?
Ao explicar o autismo, Sheila Marcondes, cofundadora e vice-presidente da ABRAAC (Associação Brasileira de Autismo Conexão), procura fugir dos conceitos clínicos, preferindo adotar uma linguagem mais prática com um público que, geralmente, é pouco familiarizado com o assunto.
“Ao contrário do que muitos insistem em dizer, o autismo não é uma doença, e sim, um transtorno. Resumidamente, é uma condição neurológica que faz o cérebro funcionar de uma forma diferente”, ela sintetiza.
O distúrbio acomete cerca de 1% a 2% da população mundial, com maior incidência no sexo masculino, sendo a genética apontada como principal causa, aliada a aspectos ambientais.
Segundo Sheila, esse número vem aumentando com o passar dos anos, não somente por questões genéticas, mas, sobretudo, em função do aprimoramento do diagnóstico.
“Antigamente escutávamos comentários preconceituosos como ‘tal pessoa é esquisita, estranha’. Hoje, apesar de incipiente, há mais informação disponível sobre o autismo, e os pais estão atentos aos sinais logo nos primeiros anos de vida da criança”, argumenta.
Por fim, é importante ressaltar que o autismo não tem cura e uma pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência (PcD) perante a Lei.
Conforme reforça Sheila, compartilhar informações sobre o autismo é o principal caminho para a boa convivência, pois é o desconhecimento que torna as pessoas intolerantes e faz com que elas provoquem situações negativas como as citadas no início desta matéria.
“Como muitos autistas não aparentam deficiência, as pessoas não entendem, não sabem o que é. Não é por maldade, mas sim ignorância”, pondera.
Para conhecer e visualizar um pouco mais sobre como o universo autista funciona, destacamos, a seguir, alguns pontos extremamente relevantes no quesito comportamental.
Áreas em que uma pessoa autista tem dificuldades
• Socialização/Relacionamento;
• Comunicação (verbal ou não);
• Sistema sensorial sensível (texturas, sons, cheiros, cores, etc);
• Distúrbios de sono.
Vale lembra também que dificilmente o autismo vem sozinho. Outras condições podem acompanhar o TEA, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, epilepsia, etc.
O que pode incomodar um autista
• Som alto ou muitas pessoas falando ao mesmo tempo;
• Mudança repentina na rotina;
• Puxar uma conversa com ele ou insistir em alguns assuntos que ele não quer falar;
• Contato físico (muitos não gostam de abraçar, nem ser tocados).
O que geralmente agrada um autista
• Previsibilidade;
• Elementos visuais (são atrativos e trazem conforto);
• Silêncio.
Alguns padrões de comportamento autísticos
• Movimentos restritivos e repetitivos (os quais podem ser vistos como inadequados pela sociedade);
• Isolamento social;
• Não se comunicar através da fala, e sim gestos;
• Hiperfoco (podem falar por horas sobre um mesmo assunto);
• Pular, falar alto ou gritar repentinamente ao se expressar;
• Em crise, podem bater e quebrar coisas no chão, arrastar móveis, etc.
Autismo em condomínio: da intolerância ao acolhimento
O Gabriel, filho de 11 anos da Sheila, não gosta de ficar com roupa molhada. Um dia, quando ele estava na piscina do prédio de uma amiga, tirou a sunga e uma mulher acompanhada pela filha esbravejou.
Ao pedir desculpas e explicar sobre o diagnóstico autista do filho, Sheila teve que ouvir “não me importa, não é porque ele tem essa condição que seremos obrigadas a passar por isso.”
No elevador, Gabriel passou por uma época em que queria tocar nas pessoas, na barriga, no seio, e às vezes dava tapas. E ainda hoje, se alguém o cumprimenta com um “bom dia”, ele não olha e nem responde.
“Vão julgá-lo como mal educado, mas as pessoas têm que entender que se eu ficar pressionando, vou irritá-lo e provocar uma crise”, pontua a mãe.
Já Thayná Rodrigues compartilha um momento reconfortante, quando seu filho Rafael, de 6 anos, costumava sair correndo pela escada do condomínio e ia parar lá no térreo.
“Se ele escapa de mim, sei que sempre terá alguém, porteiro ou vizinho, para brecá-la e impedir que ele saia do prédio”, conta, feliz. “Sinto que a comunidade cuida dele, estão mais conscientes”.
Os direitos das pessoas autistas: PcD e não discriminação
A Lei federal nº 12.764/12, também conhecida como Lei Berenice, institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Abaixo em destaque, os artigos 3º e 4º que abordam as garantias da pessoa autista, bem como a questão dos maus-tratos e da discriminação:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
I – a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;
II – a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde
Art. 4º A pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.
Como já comentado, o art. 1º dessa legislação, em seu § 2º, expõe que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.
Isso quer dizer que os direitos do PcD previstos na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), nº 13.146/2015, também se estendem aos autistas, o que inclui, por exemplo, vaga especial na garagem do condomínio.
Além disso, é com base na LBI, em seu art. 88, que são definidas as penalizações a quem praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, no caso, autistas: além de multa, reclusão de um a três anos, podendo ser majoradas a, no máximo, cinco anos.
Dessa maneira, além de proferir ofensas verbais, o síndico, vizinho ou funcionário que, por exemplo, proíbe uma criança autista de utilizar áreas comuns e de lazer do condomínio, está cometendo crime.
De acordo com a advogada Vanessa Ponciano, do escritório Stankievicz, Ponciano & Rachkorsky, vítimas, tutores ou responsáveis podem ingressar diretamente com uma ação judicial ou acionar estes canais para fazer a denúncia:
• Disque 100 (Direitos Humanos para Crianças e Adolescentes);
• Disque Denúncia 181;
Autismo em condomínio: dos julgamentos à empatia
Cristiane Bastos, mãe da Sophia de quatro anos, também sabe muito bem o que é receber reclamações de barulho do vizinho. Mas para ela, pior do que receber uma queixa, foi ter sido julgada de agredir a filha.
Na ocasião, Sophia ainda não havia sido diagnosticada com autismo, portanto, sem tratamento direcionado, ela passava por um período de muitas crises, choros e gritos de “para mãe, não encosta em mim”, todos os dias, durante um mês inteiro.
“Tentava acalmá-la, mas era complicado. Ouvindo tudo isso, se eu estivesse no lugar do meu vizinho, também ia ficar preocupada”, ela defende, mas acredita que faria diferente.
“Acho que existem caminhos melhores do que ligar na portaria, me acusar e ameaçar chamar a polícia. Talvez vir falar comigo antes ou mesmo sondar a questão com a síndica”.
No dia seguinte, Cristiane quis esclarecer o incidente decidindo conversar amigavelmente com a vizinha, que reagiu com constrangimento e pedidos de desculpas.
Da mesma forma se manifestou o vizinho que reclamou do filho de Sheila, complementando que “A partir de agora, meu comportamento será outro. Quando eu ouvir qualquer barulho que me incomode, vou pensar: Se está difícil para mim, deve estar muito pior para você”.
Lei do silêncio x Direitos do autista
Na opinião da advogada Vanessa Ponciano, a lei de proteção ao autista se sobrepõe à questão do silêncio.
Isso porque alguns comportamentos são característicos da condição do autista, já vistos anteriormente, como falar mais alto, jogar as coisas no chão, etc, e assim o fazem não intencionalmente e não geram ato nocivo capaz de ser penalizado pelo condomínio, com notificações ou multas.
“No Direito, nós aprendemos o seguinte: Devemos tratar os iguais na medida de sua igualdade, e os desiguais na medida de sua desigualdade”, diz a advogada, em referência à expressão de Aristóteles.
Portanto, o coletivo tem que se adequar, criando condições de lidar com as situações sem incorrer em ato discriminatório. É preciso mais tolerância, humanidade e flexibilidade.
“Como o TEA não tem cura, é um ciclo sem fim. Terão fases mais difíceis, que depois passam, mas crises sempre vão existir. Nós, e quem estiver ao redor, precisam se adaptar”, sinaliza Sheila.
Assim sendo, ainda que o Código Civil expresse o dever de cada condômino em utilizar as partes do condomínio sem prejuízo ao sossego, segurança, e salubridade dos demais possuidores, o autismo é exceção.
Isso quer dizer que a pessoa autista pode fazer o que quiser?
Não necessariamente. É importante que o responsável pela pessoa autista demonstre que está se esforçando para resolver ou minimizar os problemas.
O filho de Thayná, por exemplo, além das medicações, cumpre uma agenda de terapias, tais como ABA (terapia comportamental), música, ozonioterapia e TO (terapia ocupacional).
Esses tratamentos melhoram a funcionalidade social e as habilidades de comunicação, além de reduzirem comportamentos negativos e não-funcionais, afirma Roberto Piernikarz, diretor da administradora BBZ, que já atendeu um criança especial em um dos prédios de sua carteira.
“As terapias contribuem significativamente para a qualidade de vida das pessoas com TEA, familiares, cuidadores e de quem mais conviva com elas, como em um condomínio”, ressalta.
Fontes consultadas: Sheila Marcondes (cofundadora e vice-presidente da ABRAAC – Associação Brasileira de Autismo Conexão); Thayná Rodrigues (moradora de condomínio); Vanessa Ponciano (advogada do escritório Stankievicz, Ponciano & Rachkorsky); Cristiane Bastos (moradora de condomínio); Edson Caires (síndico do condomínio de Thayná) e Roberto Piernikarz (diretor da administradora BBZ).
via sindiconet.com.br
A experiência de conviver com autismo em condomínios tem suas particularidades. Mas com conhecimento, tolerância e acolhimento, tem tudo para ser leve
A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que 70 milhões de pessoas no mundo têm autismo, e no Brasil, são 2 milhões. Por isso, as chances de você já ter convivido (ou ainda vai conviver) com um portador do espectro autista são altas. Inclusive nos empreendimentos onde moramos. O autismo em condomínios traz algumas particularidades e polêmicas.
As histórias felizes, de paciência e acolhimento existem, porém, são chocantes os casos de discriminação e intolerância contra pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) – como também é chamado o autismo.
Em um condomínio com morador autista, por exemplo, alguns episódios problemáticos podem ocorrer:
• Discriminação (capacitismo);
• Segurança: sair do prédio sozinho e sem avisar os responsáveis, acessar lugares inapropriados, dependurar-se na janela do apartamento, etc.;
• Atritos com outras crianças e adultos;
• Reclamações de barulho;
• Acusações ou suspeitas de maus-tratos pelos responsáveis;
• Danos ao patrimônio do condomínio ou a terceiros (paredes do prédio, carros dos vizinhos, etc).
Preparamos esta matéria trazendo situações reais de autismo em condomínio. O intuito é conscientizar vizinhos, síndicos e funcionários sobre o TEA para que a boa convivência prevaleça no condomínio e, principalmente, sejam garantidos os direitos da pessoa autista. Venha com a gente!
O que é autismo?
Ao explicar o autismo, Sheila Marcondes, cofundadora e vice-presidente da ABRAAC (Associação Brasileira de Autismo Conexão), procura fugir dos conceitos clínicos, preferindo adotar uma linguagem mais prática com um público que, geralmente, é pouco familiarizado com o assunto.
“Ao contrário do que muitos insistem em dizer, o autismo não é uma doença, e sim, um transtorno. Resumidamente, é uma condição neurológica que faz o cérebro funcionar de uma forma diferente”, ela sintetiza.
O distúrbio acomete cerca de 1% a 2% da população mundial, com maior incidência no sexo masculino, sendo a genética apontada como principal causa, aliada a aspectos ambientais.
Segundo Sheila, esse número vem aumentando com o passar dos anos, não somente por questões genéticas, mas, sobretudo, em função do aprimoramento do diagnóstico.
“Antigamente escutávamos comentários preconceituosos como ‘tal pessoa é esquisita, estranha’. Hoje, apesar de incipiente, há mais informação disponível sobre o autismo, e os pais estão atentos aos sinais logo nos primeiros anos de vida da criança”, argumenta.
Por fim, é importante ressaltar que o autismo não tem cura e uma pessoa com TEA é considerada pessoa com deficiência (PcD) perante a Lei.
Conforme reforça Sheila, compartilhar informações sobre o autismo é o principal caminho para a boa convivência, pois é o desconhecimento que torna as pessoas intolerantes e faz com que elas provoquem situações negativas como as citadas no início desta matéria.
“Como muitos autistas não aparentam deficiência, as pessoas não entendem, não sabem o que é. Não é por maldade, mas sim ignorância”, pondera.
Para conhecer e visualizar um pouco mais sobre como o universo autista funciona, destacamos, a seguir, alguns pontos extremamente relevantes no quesito comportamental.
Áreas em que uma pessoa autista tem dificuldades
• Socialização/Relacionamento;
• Comunicação (verbal ou não);
• Sistema sensorial sensível (texturas, sons, cheiros, cores, etc);
• Distúrbios de sono.
Vale lembra também que dificilmente o autismo vem sozinho. Outras condições podem acompanhar o TEA, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, epilepsia, etc.
O que pode incomodar um autista
• Som alto ou muitas pessoas falando ao mesmo tempo;
• Mudança repentina na rotina;
• Puxar uma conversa com ele ou insistir em alguns assuntos que ele não quer falar;
• Contato físico (muitos não gostam de abraçar, nem ser tocados).
O que geralmente agrada um autista
• Previsibilidade;
• Elementos visuais (são atrativos e trazem conforto);
• Silêncio.
Alguns padrões de comportamento autísticos
• Movimentos restritivos e repetitivos (os quais podem ser vistos como inadequados pela sociedade);
• Isolamento social;
• Não se comunicar através da fala, e sim gestos;
• Hiperfoco (podem falar por horas sobre um mesmo assunto);
• Pular, falar alto ou gritar repentinamente ao se expressar;
• Em crise, podem bater e quebrar coisas no chão, arrastar móveis, etc.
Autismo em condomínio: da intolerância ao acolhimento
O Gabriel, filho de 11 anos da Sheila, não gosta de ficar com roupa molhada. Um dia, quando ele estava na piscina do prédio de uma amiga, tirou a sunga e uma mulher acompanhada pela filha esbravejou.
Ao pedir desculpas e explicar sobre o diagnóstico autista do filho, Sheila teve que ouvir “não me importa, não é porque ele tem essa condição que seremos obrigadas a passar por isso.”
No elevador, Gabriel passou por uma época em que queria tocar nas pessoas, na barriga, no seio, e às vezes dava tapas. E ainda hoje, se alguém o cumprimenta com um “bom dia”, ele não olha e nem responde.
“Vão julgá-lo como mal educado, mas as pessoas têm que entender que se eu ficar pressionando, vou irritá-lo e provocar uma crise”, pontua a mãe.
Já Thayná Rodrigues compartilha um momento reconfortante, quando seu filho Rafael, de 6 anos, costumava sair correndo pela escada do condomínio e ia parar lá no térreo.
“Se ele escapa de mim, sei que sempre terá alguém, porteiro ou vizinho, para brecá-la e impedir que ele saia do prédio”, conta, feliz. “Sinto que a comunidade cuida dele, estão mais conscientes”.
Os direitos das pessoas autistas: PcD e não discriminação
A Lei federal nº 12.764/12, também conhecida como Lei Berenice, institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Abaixo em destaque, os artigos 3º e 4º que abordam as garantias da pessoa autista, bem como a questão dos maus-tratos e da discriminação:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
I – a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;
II – a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;
III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde
Art. 4º A pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo da deficiência.
Como já comentado, o art. 1º dessa legislação, em seu § 2º, expõe que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.
Isso quer dizer que os direitos do PcD previstos na Lei Brasileira de Inclusão (LBI), nº 13.146/2015, também se estendem aos autistas, o que inclui, por exemplo, vaga especial na garagem do condomínio.
Além disso, é com base na LBI, em seu art. 88, que são definidas as penalizações a quem praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, no caso, autistas: além de multa, reclusão de um a três anos, podendo ser majoradas a, no máximo, cinco anos.
Dessa maneira, além de proferir ofensas verbais, o síndico, vizinho ou funcionário que, por exemplo, proíbe uma criança autista de utilizar áreas comuns e de lazer do condomínio, está cometendo crime.
De acordo com a advogada Vanessa Ponciano, do escritório Stankievicz, Ponciano & Rachkorsky, vítimas, tutores ou responsáveis podem ingressar diretamente com uma ação judicial ou acionar estes canais para fazer a denúncia:
• Disque 100 (Direitos Humanos para Crianças e Adolescentes);
• Disque Denúncia 181;
Autismo em condomínio: dos julgamentos à empatia
Cristiane Bastos, mãe da Sophia de quatro anos, também sabe muito bem o que é receber reclamações de barulho do vizinho. Mas para ela, pior do que receber uma queixa, foi ter sido julgada de agredir a filha.
Na ocasião, Sophia ainda não havia sido diagnosticada com autismo, portanto, sem tratamento direcionado, ela passava por um período de muitas crises, choros e gritos de “para mãe, não encosta em mim”, todos os dias, durante um mês inteiro.
“Tentava acalmá-la, mas era complicado. Ouvindo tudo isso, se eu estivesse no lugar do meu vizinho, também ia ficar preocupada”, ela defende, mas acredita que faria diferente.
“Acho que existem caminhos melhores do que ligar na portaria, me acusar e ameaçar chamar a polícia. Talvez vir falar comigo antes ou mesmo sondar a questão com a síndica”.
No dia seguinte, Cristiane quis esclarecer o incidente decidindo conversar amigavelmente com a vizinha, que reagiu com constrangimento e pedidos de desculpas.
Da mesma forma se manifestou o vizinho que reclamou do filho de Sheila, complementando que “A partir de agora, meu comportamento será outro. Quando eu ouvir qualquer barulho que me incomode, vou pensar: Se está difícil para mim, deve estar muito pior para você”.
Lei do silêncio x Direitos do autista
Na opinião da advogada Vanessa Ponciano, a lei de proteção ao autista se sobrepõe à questão do silêncio.
Isso porque alguns comportamentos são característicos da condição do autista, já vistos anteriormente, como falar mais alto, jogar as coisas no chão, etc, e assim o fazem não intencionalmente e não geram ato nocivo capaz de ser penalizado pelo condomínio, com notificações ou multas.
“No Direito, nós aprendemos o seguinte: Devemos tratar os iguais na medida de sua igualdade, e os desiguais na medida de sua desigualdade”, diz a advogada, em referência à expressão de Aristóteles.
Portanto, o coletivo tem que se adequar, criando condições de lidar com as situações sem incorrer em ato discriminatório. É preciso mais tolerância, humanidade e flexibilidade.
“Como o TEA não tem cura, é um ciclo sem fim. Terão fases mais difíceis, que depois passam, mas crises sempre vão existir. Nós, e quem estiver ao redor, precisam se adaptar”, sinaliza Sheila.
Assim sendo, ainda que o Código Civil expresse o dever de cada condômino em utilizar as partes do condomínio sem prejuízo ao sossego, segurança, e salubridade dos demais possuidores, o autismo é exceção.
Isso quer dizer que a pessoa autista pode fazer o que quiser?
Não necessariamente. É importante que o responsável pela pessoa autista demonstre que está se esforçando para resolver ou minimizar os problemas.
O filho de Thayná, por exemplo, além das medicações, cumpre uma agenda de terapias, tais como ABA (terapia comportamental), música, ozonioterapia e TO (terapia ocupacional).
Esses tratamentos melhoram a funcionalidade social e as habilidades de comunicação, além de reduzirem comportamentos negativos e não-funcionais, afirma Roberto Piernikarz, diretor da administradora BBZ, que já atendeu um criança especial em um dos prédios de sua carteira.
“As terapias contribuem significativamente para a qualidade de vida das pessoas com TEA, familiares, cuidadores e de quem mais conviva com elas, como em um condomínio”, ressalta.
Fontes consultadas: Sheila Marcondes (cofundadora e vice-presidente da ABRAAC – Associação Brasileira de Autismo Conexão); Thayná Rodrigues (moradora de condomínio); Vanessa Ponciano (advogada do escritório Stankievicz, Ponciano & Rachkorsky); Cristiane Bastos (moradora de condomínio); Edson Caires (síndico do condomínio de Thayná) e Roberto Piernikarz (diretor da administradora BBZ).
via sindiconet.com.br